11 Novembro 2017

De que forma o Quadro Integrado Reforçado ajuda os PMA a libertarem o seu Potencial Comercial?

by Ratnakar Adhikari / in Artigo de opinião

Capacidades institucionais e produtivas inadequadas constituem obstáculos de peso à participação dos Países Menos Avançados no comércio global. De que forma o Quadro Integrado Reforçado está a ajudá-los, especialmente em África, nos seus esforços para ultrapassar estas barreiras e beneficiar mais do comércio?

O Quadro Integrado Reforçado (QIR) é o único programa global dedicado a ajudar os Países Menos Avançados (PMA) a utilizar o comércio como motor de crescimento, de desenvolvimento sustentável e de redução da pobreza. As suas ações são fruto de uma parceria entre doadores, agências internacionais e governos dos PMA. Em primeiro lugar, o QIR oferece apoio institucional aos PMA para que estes reforcem as suas capacidades comerciais, bem como para criar uma estrutura institucional política, reguladora e estratégica que sirva de base à agenda comercial nacional. Em segundo lugar, oferece um sólido apoio à implementação de projetos prioritários que visam abordar os obstáculos nos setores produtivos relacionados com o comércio que impedem a participação dos PMA e também aumentar a sua quota do comércio global. A autonomia do país é uma preocupação central do QIR, colocando os PMA na liderança no que se refere a determinar, estabelecer prioridades e implementar intervenções relacionadas com o comércio. O QIR apoia 51 países, incluindo o total dos 33 PMA em África.

Reforçar as capacidades comerciais dos PMA

Na frente institucional, só em 2016 mais de 11.000 responsáveis do setor público, bem como 5000 responsáveis do setor privado, em 40 PMA receberam formação em áreas relacionadas com o comércio, incluindo facilitação do comércio, cadeias de valor globais, normas e qualidade, desenvolvimento empresarial, tributação, formulação da política comercial, implementação de reformas comerciais, integração do comércio e integração da questão de género no comércio. Em média, 30% dos formandos eram mulheres. Os conhecimentos adquiridos facilitam a participação inclusiva nas agendas comerciais nacionais dos PMA.

A Ajuda ao Comércio nos PMA é facilitada quando os principais responsáveis, tanto do setor público como privado, trabalham em conjunto na agenda comercial nacional. O QIR ajudou 33 países a estabelecerem mecanismos de coordenação do comércio que permitem que os parceiros de desenvolvimento mantenham um diálogo sobre questões relacionadas com o comércio, monitorizem atividades relacionadas com o comércio e assegurem que as iniciativas sejam complementares, evitando assim a duplicação de esforços. Entre estes mecanismos contam-se o diálogo de alto nível entre o governo e o setor privado sobre questões da política comercial, consultas entre o governo e os doadores sobre intervenções no setor comercial e grupos de trabalho que abrangem todo o setor privado.

Na frente política, políticas comerciais inadequadas e obsoletas constituem obstáculos de peso à capacidade comercial dos PMA. Como resposta, através do seu apoio institucional, o QIR ajudou 35 países (incluindo três PMA que abandonaram este estatuto) a converterem o comércio numa componente-chave dos seus planos nacionais de desenvolvimento. Vinte e um países formularam políticas comerciais atualizadas que identificam prioridades relacionadas com o comércio nas transações de bens e serviços tanto ao nível regional como global.

A fim de integrar eficazmente o comércio nas agendas nacionais de desenvolvimento, o QIR ajudou 32 PMA a articularem as suas estratégias setoriais com as suas políticas comerciais. O objetivo consiste em integrar o comércio nas estratégias de, pelo menos, três setores produtivos, como, por exemplo, a agricultura, o turismo, a energia, a indústria, as tecnologias de informação e comunicação e os transportes, bem como em áreas transversais como o ambiente, as infraestruturas materiais, o comércio eletrónico, a igualdade de género e as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME). O QIR também contribui para assegurar que o processo de desenvolvimento de uma política comercial e de estratégias comerciais inclua o envolvimento eficaz das partes interessadas e seja sensível à questão de género, concentrando-se em ajudar os mais pobres.

Estreitamente ligado às políticas comerciais e estratégias setoriais está um estudo analítico designado por Estudo de Diagnóstico sobre a Integração do Comércio (EDIC), que foi elaborado em 31 países com o apoio do QIR. Este estudo baseado em provas permite que os países analisem o seu panorama macroeconómico, potenciais reformas a nível empresarial e regulamentar, o comércio nos serviços, a facilitação do comércio e a competitividade. A utilização eficaz do EDIC é fundamental para que os PMA sigam uma estratégia clara de integração do comércio nos seus planos nacionais de desenvolvimento e estratégias do setor produtivo. É também crucial para identificar projetos suscetíveis de financiamento bancário alinhados com as prioridades identificadas para intervenções futuras dos doadores e parceiros de desenvolvimento e/ou para investimento direto estrangeiro.

O QIR oferece também um apoio catalisador a estes projetos suscetíveis de financiamento bancário. Até ao momento, o QIR apoiou 40 projetos do género em 29 países. Estes projetos abordam prioridades setoriais e transversais com potencial de desenvolvimento que permitem que as pessoas, especialmente as mais pobres, participem, e também beneficiem, do crescimento económico através da criação de empregos, aumento das receitas e facilitação de um fluxo de rendimentos constante.

Uma esmagadora maioria destes projetos centra-se em aumentos da produtividade das exportações e no desenvolvimento empresarial orientado para as exportações, visando especificamente as MPME. As 189 MPME que foram apoiadas pelo QIR criaram emprego em setores intensivos em trabalho, incluindo a transformação de produtos agrícolas, os serviços no setor do turismo e a indústria têxtil e de vestuário, todos eles com um elevado nível de participação das mulheres.

Citando apenas alguns exemplos, na Gâmbia três transformadores de caju adotaram novas tecnologias de embalagem que lhes permitiram vender a supermercados e hotéis locais. As melhorias na produção hortícola no Lesoto resultaram num rendimento mensal de 80 dólares para agricultores que anteriormente ganhavam muito pouco. No Burquina Faso, foram criados 1020 novos postos de trabalho em 2016 em 17 novas unidades de transformação de manga seca, o que conduziu a um crescimento das exportações. Entre 2014, quando o projeto arrancou, e 2016, as exportações de manga seca passaram de 3,9 milhões de dólares para 10,2 milhões, o que representou um crescimento de 160% nas exportações. Na Zâmbia, 6580 apicultores (30% dos quais mulheres) receberam formação em métodos de apicultura mais modernos, o que provocou uma melhoria de pelo menos 60% na qualidade do mel.

Um ambiente problemático

O QIR trabalha com os países mais problemáticos do mundo. Além dos PMA serem caraterizados por uma pobreza generalizada e pela dependência da ajuda ao desenvolvimento, alguns estão também geograficamente isolados e vulneráveis, incluindo os pequenos Estados insulares em desenvolvimento, como as Comores.            

Mas as dificuldades não se resumem a estes impedimentos físicos; os governos nacionais enfrentam desafios como catástrofes naturais (como o recente deslizamento de terras na Serra Leoa), surtos de doenças (a epidemia do Ébola na África Ocidental) e sobressaltos políticos (no Burquina Faso, República Centro-Africana, Somália e Sudão do Sul). Alguns destes eventos destroem as infraestruturas e desviam recursos tanto humanos como financeiros para outros setores que não o comércio. Estes impedimentos afetam o empenho dos governos no programa do QIR, e sua apropriação do mesmo, o que por vezes resulta numa rutura a longo prazo.

Os países do QIR também possuem caraterísticas específicas que são levadas em conta na programação de cada país, incluindo em temos de capacidade humana e institucional, velocidade de implementação, empenho do governo, envolvimento dos doadores e do setor privado, capacidade de potenciar recursos, etc. Tal significa que o QIR tem de identificar a forma como as várias caraterísticas se encaixam no programa geral, descobrindo formas de adaptar o programa para satisfazer as necessidades de cada país. De igual modo, o QIR tem consciência da sua obrigação de gerir os recursos dos doadores com eficácia e eficiência e de prestar contas a todos os membros da parceria. A gestão do risco, incluindo, entre outros aspetos, do risco fiduciário, está incorporada nos processos do QIR para ajudar a fazer progredir o desenvolvimento do comércio nos países mais pobres do mundo.

Perspetivas futuras

Nenhum PMA deixado para trás

O QIR está completamente alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) e segue o princípio de não deixar nenhum PMA para trás. O ODS 17 apela à revitalização da parceria global para o desenvolvimento sustentável e a meta 17.11 do ODS apela à duplicação da quota das exportações dos PMA até 2020. Enquanto parceria igual entre os PMA, os Doadores do QIR e as Agências Internacionais do QIR, poucas organizações adotam o espírito do ODS 17 com mais apego do que o QIR. O QIR está mais bem posicionado para reunir todas as partes interessadas à mesa e coordenar os seus esforços para ajudar os PMA a duplicarem a sua quota nas exportações. De facto, os ODS mencionam especificamente a importância do QIR para o alcance da meta 8.a dos ODS, que apela a um aumento da ajuda ao comércio para as PMA, incluindo através do QIR.

Dar destaque ao género e ao ambiente na programação

A expansão do comércio conduz ao crescimento, bem como a novas oportunidades, mas exerce um impacto diferente consoante se trate de homens ou de mulheres. O QIR continuará a apoiar as sólidas políticas de comércio e desenvolvimento necessárias para promover uma perspetiva sensível à questão de género na conceção e implementação de programas relacionados com o comércio, especialmente no que se refere à autonomia das mulheres para que possam participar nos setores produtivos que estão a crescer por intermédio do comércio. O QIR irá também continuar a promover o crescimento ambientalmente sustentável através de quadros regulamentares que protejam o ambiente.

Potenciar recursos para o crescimento do setor privado

O QIR utiliza a ajuda para impulsionar reformas económicas e estimular o comércio, para que o comércio acrescido possa resultar em maiores oportunidades de investimento e ainda mais comércio. Reconhecendo que o investimento do QIR deve ser catalisador, o programa está a expandir a sua base de doadores a fim de incluir organizações filantrópicas e promover a cooperação Sul-Sul e triangular. Os PMA, por sua vez, estão a responder a estes esforços utilizando o mecanismo do QIR para mobilizar financiamento e conhecimentos para a sua agenda de desenvolvimento comercial através de várias formas de financiamento combinado, incluindo governo e setor privado, governo e doadores bilaterais, governo e QIR, QIR e doadores bilaterais, QIR e agências internacionais e QIR e recursos do setor privado.

Novas questões

Em sintonia com recentes desenvolvimentos do comércio global e previsões de tendências futuras nos debates globais sobre o comércio, o QIR está a reforçar a sua programação no sentido de incluir novos aspetos que irão exercer impacto no desenvolvimento do comércio dos PMA, incluindo a integração regional, o comércio eletrónico e a conetividade, bem como as cadeias de valor globais.

Restrição de recursos

Confrontados com várias restrições nos esforços para impulsionar a sua produtividade e participar plenamente no comércio global, os PMA necessitam de um apoio distinto e seletivo, tanto técnico como financeiro, dos parceiros de desenvolvimento nacionais e estrangeiros. Tal apoio é fundamental para melhorar a eficiência dos PMA dependentes de produtos básicos. Os atuais níveis de apoio financeiro ao QIR não são suficientes para cumprir o seu mandato, conforme estipulado no ODS 8.a. Por conseguinte, o QIR está a abrir o acesso a recursos tanto de doadores tradicionais como não tradicionais.

Conclusão

Um conjunto de restrições institucionais e de recursos continua a travar a capacidade de os PMA aumentarem a sua quota do comércio global. No entanto, mesmo enfrentando estes desafios globais e individuais, os PMA demonstram alguma resiliência notável, o que reforça a necessidade do envolvimento e apoio contínuos do QIR para que possam utilizar o comércio como veículo para um crescimento económico inclusivo mais forte e a redução da pobreza. O QIR, na sua qualidade de estrutura abrangente para coordenar a prestação da ajuda ao comércio, continuará a contribuir para dar resposta a estas restrições, monitorizar os riscos e instituir medidas de mitigação. A ajuda aos PMA funciona melhor quando as suas agendas comerciais são totalmente apropriadas por cada país e quando as principais partes interessadas tanto do setor público como privado trabalham em conjunto na agenda nacional. Foi esta abordagem de parceria, agora alinhada com os ODS, que ajudou o QIR a alcançar o impacto desejado no terreno. 
 

Autores: Ratnakar Adhikari, Diretor Executivo, Secretariado Executivo do QIR. James Edwin, Coordenador, Monitorização e Avaliação, Secretariado Executivo do QIR.

Credits
Header photo: amira_a/Flickr
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