13 Agosto 2019

Novo estudo da OMC coloca em evidência as catástrofes naturais e o comércio

De que forma podem os países utilizar o comércio para promover a resiliência?

Um novo estudo lança um olhar abrangente à relação entre as catástrofes naturais e o comércio em seis dos países em maior risco do mundo.

Analisa as medidas comerciais que poderiam ajudar a Domínica, as Ilhas Fiji, o Nepal, Santa Lúcia, Tonga e Vanuatu a responder e recuperar de catástrofes e criar resiliência a catástrofes. O estudo foi elogiado por representantes destes países num simpósio recente sobre as catástrofes naturais e o comércio realizado pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em qualquer dado ano, é provável que os seis países sejam atingidos por uma grande catástrofe natural ou que estejam a recuperar de uma. Riscos hidrometeorológicos como ciclones tropicais, furacões, inundações e deslizamentos de terras são os tipos mais comuns de catástrofes. No entanto, eventos geofísicos, como o terramoto que atingiu o Nepal em 2015, constituem também uma ameaça. Os eventos geofísicos podem também provocar riscos secundários, como tsunamis em países costeiros.

“É um pouco como participar num jogo de azar”, declarou Michael Roberts, Responsável da Unidade de Ajuda ao Comércio da OMC, que liderou o estudo. “Em qualquer dado ano, não sabemos se vamos ser atingidos por uma catástrofe, até que ponto o evento será grave ou se vamos ser afetados várias vezes ou não. Um país pode estar a pagar dívidas de reconstrução incorridas por uma catástrofe natural quando uma nova catástrofe o atinge. O resultado é um círculo vicioso que provoca estragos no comércio e na economia”.

Michael Roberts citou os exemplos da Domínica e de Moçambique. Os danos causados pela tempestade tropical Erika em agosto de 2015 foram estimados em 90% do PIB da Domínica. Pouco mais de dois anos depois, o furacão Maria atingiu a ilha das Caraíbas, acrescentando danos estimados em 226% do PIB. Em 2019, Moçambique sofreu duas tempestades na mesma estação quando os ciclones tropicais Idai e Kenneth atingiram o país.

“A imprevisibilidade e frequência das catástrofes naturais não só afetam e devastam o nosso ambiente natural e circundante, como provocam atrasos nos nossos esforços de desenvolvimento num só dia” afirmou Esterlina Kautoke Alipate, do Ministério do Comércio, do Consumo, da Inovação e do Trabalho de Tonga. “[Este estudo] irá permitir-nos elaborar respostas políticas melhores e eficazes”.

Para Michael Roberts, a questão reside em como romper o ciclo destes eventos que prejudicam o desenvolvimento e criam dívidas.

SURTOS DE IMPORTAÇÃO E ABRANDAMENTOS NAS EXPORTAÇÕES

O estudo avaliou primeiro o impacto das catástrofes sobre a situação macroeconómica de cada um dos seis países analisados.

“Os seis países analisados, em particular as pequenas economias insulares, dependem fortemente do comércio, com elevados rácios comércio/PIB”, declarou Michael Roberts. O rácio comércio/PIB era de 95,7% em Tonga e de 106,4% em Vanuatu em 2016.

“As catástrofes naturais tendem a estimular as importações e a diminuir as exportações, pressionando assim os orçamentos governamentais”, explicou. “A atividade de reconstrução pode ser um importante estímulo económico no rescaldo das catástrofes, mas os fornecedores nacionais podem ter dificuldades em satisfazer a procura necessitando de importar materiais de construção”, acrescentou.

“Na sequência do terramoto no Nepal em 2015, foram levadas a cabo reformas políticas e institucionais para a reconstrução. A importação de materiais de reconstrução contribuiu para aumentar o défice comercial. No entanto, perdemos [uma oportunidade] de reforçar a oferta doméstica para satisfazer a elevada procura de materiais de reconstrução”, afirmou Madhu Kumar Marasini, do Ministério da Indústria, do Comércio e do Abastecimento do Nepal.

 

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Um país pode estar a pagar dívidas de reconstrução incorridas por uma catástrofe natural quando uma nova catástrofe o atinge. O resultado é um círculo vicioso que provoca estragos no comércio e na economia.

Michael Roberts, Responsável da Unidade de Ajuda ao Comércio da OMC

Em virtude da escassez de receitas governamentais, as catástrofes naturais podem desviar fundos de investimentos existentes ou planeados e pressionar orçamentos governamentais já de si limitados. As administrações podem deparar-se com dificuldades em encontrar financiamento para apoiar as empresas, o que pode atrasar a recuperação das exportações.

As exportações agrícolas de Vanuatu caíram 37% após o país ter sido atingido pelo ciclone Pam em 2015. Algumas exportações, como, por exemplo, de culturas de árvores de frutos como os cocos, podem demorar quase uma década a regressar aos níveis pré-tempestade. Este aspeto afeta não somente os agricultores, mas também as empresas que dependem de matéria-prima para atividades de transformação, como produtos alimentares ou de cosmética. 

Numa vertente mais otimista, o estudo revelou que o turismo (um setor bem estabelecido ou em crescimento nos estudos) se mostrava rápido a recuperar, sendo o turismo de cruzeiro particularmente forte nos países costeiros.

RESPOSTA INTELIGENTE

Garantir que as alfândegas e outros organismos fronteiriços consigam dar resposta ao surto de importações enquanto a ajuda humanitária chega é uma questão que surge em grande destaque no estudo. Esta é também uma área em que a implementação do Acordo de Facilitação do Comércio da OMC pode oferecer soluções. 

“A modernização das leis, processos e sistemas deve beneficiar não somente as importações comerciais, mas também a resposta humanitária”, afirmou Michael Roberts,

Isto não significa simplesmente abrir as fronteira a tudo e mais alguma coisa. Um problema destacado pelo estudo foi o dos chamados “donativos bilaterais não solicitados”. Estes donativos poderão não se adequar às necessidades das comunidades locais, pelo que frequentemente acabam por ter de ser armazenados ou eliminados à custa do governo que os recebe.

No rescaldo do ciclone Gita, Tonga demonstrou uma “resposta inteligente” na forma como lidou com os bens provenientes da diáspora tonganesa no estrangeiro, explicou Michael Roberts. As redes sociais, as plataformas da Internet e as telecomunicações móveis permitiram que os tonganeses no estrangeiro soubessem claramente aquilo de que as pessoas do país necessitavam. Os doadores também fizeram a sua parte incentivando os donativos em dinheiro e não sob a forma de bens que poderiam acabar como “donativos bilaterais não solicitados”.

Foram também promulgadas leis de estado de emergência antecipadamente à chegada do ciclone. Desta forma, quando o ciclone atingiu o país, as alfândegas e outros organismos transfronteiriços já tinham implementado medidas para facilitar a entrada de bens enviados pela diáspora tonganesa e agências humanitárias. Uma política de isenção de direitos aduaneiros explícita também garantiu a clareza tanto para as famílias como para as empresas. 

AJUDAR AS EMPRESAS A RECUPERAR

O estudo também analisou os impactos das catástrofes sobre a comunidade empresarial. Uma questão que emergiu claramente foi a do financiamento, uma área que até à data não tinha sido estudada em profundidade, na opinião de Michael Roberts.

A imprevisibilidade e frequência das catástrofes naturais não só afetam e devastam o nosso ambiente natural e circundante, como provocam atrasos nos nossos esforços de desenvolvimento num só dia.

Esterlina Kautoke Alipate, do Ministério do Comércio, do Consumo, da Inovação e do Trabalho de Tonga

“Observamos altas taxas de falência de empresas na sequência de uma catástrofe. Tornar o financiamento rapidamente disponível às empresas afetadas é algo que poderia ser alvo de maior consideração. As pessoas necessitam de ter empregos para onde voltar assim que o desafio imediato de dar resposta à angústia e ao sofrimento tenha sido superado”, afirmou.

Michael Roberts referiu o exemplo da Domínica no rescaldo do furacão Maria. O furacão atingiu o país quando muitos pequenos empresários se preparavam para uma nova época turística. Tinham feito empréstimos para financiar bens e serviços que tencionavam fornecer aos turistas. Na sequência da catástrofe, muitos viram-se incapacitados de voltar à atividade, já que não conseguiam refinanciar estas dívidas pré-furacão. Incapazes de se refinanciarem, não conseguiram fazer novos empréstimos para recomeçar a sua atividade, pelo que abriram falência.

Sistemas inovadores como os chamados seguros paramétricos nas Caraíbas e no Pacífico contribuem para dar resposta a problemas de financiamento, mas até aqui a atenção tem-se centrado nos governos. 

Estes sistemas paramétricos funcionam recorrendo a determinados limites predefinidos (por exemplo, a velocidade do vento). Estes seguros pagam-se mais rapidamente do que os produtos de seguro tradicionais, já que não necessitam que alguém inspecione os danos e calcule as perdas. Alargar estes sistemas inovadores ao setor privado poderia contribuir para a colmatar a lacuna de proteção de seguros, um termo que se refere aos seguros limitados de ativos tanto por parte das famílias como das empresas, e acelerar os pagamentos.

No entanto, como referiu Michael Roberts, “este tipo de inovação geralmente exige um ambiente político favorável, o que pode implicar alterações na forma como os serviços são regulados e geridos”.

 

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Attendees at the WTO's natural disasters and trade symposium on 20 May 2019.

 

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