Nutritiva. Curativa. Protetora.
Todas estas palavras são vulgarmente utilizadas para descrever uma árvore, uma árvore tão especial na África Ocidental que está no centro dos rituais mais importantes da vida. Quando uma mulher dá à luz, ensaboa o seu bebé com uma manteiga feita a partir da árvore de carité para proteger a pele delicada do sol quente. No casamento, a noiva traz consigo manteiga de carité para demonstrar que estará apta a alimentar a sua nova família. Na morte, é comum untar o corpo com manteiga antes do enterro.
A árvore de carité está associada às mulheres; tradicionalmente, as sementes e a manteiga são até designadas como “o ouro das mulheres”. As mulheres colhem as sementes de carité, as mulheres cozinham as sementes, as mulheres produzem a manteiga e as mulheres vendem-na no mercado. Num mundo em que para as mulheres os direitos de acesso e o controlo sobre os recursos são complexo, além de raro, as práticas consuetudinárias no que se refere a esta árvore são extraordinárias.
Hoje, o carité é uma mercadoria em alta. A manteiga de carité viaja agora das mãos das mulheres da África Ocidental para vários países e continentes, transformada e embalada em produtos que vão do chocolate aos cremes faciais. No entanto, elas não estão a conseguir alcançar os lucros suficientes proporcionados pela recente presença do carité no mercado global. Com a explosão das exportações e o crescimento da procura, os lucros não estão a chegar aos 16 milhões de mulheres em 21 países africanos que vivem e trabalham com o carité.
Equilibrar benefícios
Na medida em que os homens geralmente gerem muitas outras fontes de rendimento, o carité é uma das poucas formas pelas quais as mulheres conseguem ter autonomia financeira, já que frequentemente controlam os rendimentos que obtêm a partir do carité.
E o preço por quilo do carité tem aumentado na última década. Em 2002, a União Europeia publicou uma diretiva que permite a substituição de até 5% do peso do chocolate por um equivalente de manteiga de cacau. A manteiga de carité, graças ao seu teor de gordura de alta qualidade, tem sido o substituto de excelência e o mercado de exportações floresceu. De acordo com a Aliança Global do Carité, a produção de manteiga de carité cresceu 600% ao longo dos últimos 20 anos. A procura está a ultrapassar a oferta.
Então, por que motivo as mulheres não estão a partilhar os lucros?
Um dos motivos que o explica é o facto de 95% do carité de África ser exportado em cru e passar por três ou quatro intermediários antes de ser finalmente vendido, limitando o valor que as mulheres que o colhem obtêm a partir das suas vendas de carité. E são os homens que dominam as áreas mais lucrativas.
Outro motivo é que a colheita de sementes de carité e a produção de manteiga constituem parte do trabalho tradicional das mulheres em conjunto com o cuidado das crianças, o cultivo de culturas alimentares e a gestão da casa, um trabalho que é frequentemente invisível nas análises da cadeia de abastecimento do carité e do trabalho das mulheres em geral. Se todo esse trabalho – as longas caminhadas até árvores distantes, os esforços da colheita, as jornadas efetuadas para recolher madeira para alimentar o lume necessário para produzir a manteiga de carité – fosse reconhecido e o mercado calculasse o trabalho com precisão, as mulheres obteriam muitos, muitos mais rendimentos.
Procurar a sustentabilidade
Tal como acontece com outras mercadorias de base, quando a comunidade global começa a valorizá-la, as comunidades locais podem sofrer. Com o carité acontece o mesmo.
As árvores de carité crescem em diferentes espaços, nas florestas das savanas, nos campos em que servem para proteger os cereais e por vezes marcar a propriedade. As florestas da África Ocidental estão a ser lentamente limpas para abrir caminho para a agricultura, mas o carité continua a ser uma das poucas árvores que ainda está autorizada a crescer nas plantações porque a sua presença complementa outras culturas. Até ao momento, os investigadores obtiveram um sucesso reduzido no cultivo de árvores de carité, que demoram 15 a 20 anos a amadurecer e a tornarem-se produtivas. Assim, por enquanto, a utilização continuada das árvores nas comunidades rurais onde são protegidas e se regeneram naturalmente constitui talvez a única forma de sobreviverem.
Tradicionalmente, as mulheres têm o direito de gerir e utilizar árvores de carité, ainda que os acordos possam diferir consoante a etnia, o histórico de povoamento e o estatuto social. No entanto, com a procura por manteiga de carité a aumentar, mais homens estão a penetrar na arena, especialmente em posições privilegiadas, supervisionando aspetos da produção e do comércio. Tal deve-se ao facto de as mulheres geralmente não terem o poder de tomar decisões sobre as árvores ou as terras em que árvores crescem.
Tal como acontece com outras árvores indígenas no Sahel, a árvore de carité serve várias finalidades. O carvão derivado da sua madeira é muito procurado, mas, devido ao elevado valor da manteiga de carité, as comunidades dão prioridade à sua utilização para a manteiga. As leis consuetudinárias protegem as árvores de carité em muitos países, mas os desafios enfrentados pelos jovens das zonas rurais que procuram condições de vida decentes estão a exercer uma maior pressão sobre as árvores, com um crescente número de homens jovens a procurar obter rendimentos com a produção de carvão, o que inclui árvores de carité.
Com a explosão das exportações e o crescimento da procura, os lucros não estão a chegar aos 16 milhões de mulheres em 21 países africanos que vivem e trabalham com o carité.
Esta utilização crescente de árvores de carité para a produção de carvão e a regeneração muito lenta e, por vezes, completamente ausente das árvores coloca um sério problema. Se o atual sistema socioecológico continuar a sofrer perturbações, a sua promessa para os rendimentos rurais poderá rapidamente transformar-se em perdas.
Garantir direitos
Os direitos das mulheres e a proteção do carité podem ser vistos como inextricavelmente ligados nas regiões da África Ocidental onde as árvores crescem. Ao capacitar as mulheres, as árvores de carité podem beneficiar de uma melhor proteção. Ao proteger as árvores de carité, os direitos das mulheres podem beneficiar de uma maior garantia.
Precisamos de assegurar que as mulheres que colhem sementes de carité beneficiam do facto de fazer parte do mercado global e que começam a beneficiar desde já.
Tal significa:
1. Compreender e contabilizar melhor os direitos dinâmicos e complexos sobre as terras e sobre as árvores nos cenários de produção de carité.
2. Incluir salvaguardas ecológicas e sociais no comércio de carité, do topo para a base e no sentido inverso. Os que mais lucram com o comércio de carité têm a responsabilidade de apoiar os que lucram menos, criando condições para que as mulheres possam reivindicar os seus direitos.
3. Apoiar práticas e estudos que promovam a regeneração. As práticas tradicionais consistiam numa rotação entre terras em pousio e terras de cultivo, permitindo a regeneração das árvores de carité. Em virtude da elevada pressão que se verifica atualmente sobre as terras, há muitos poucos locais que praticam a agricultura de pousio, pelo que as árvores estão a desaparecer. Os cientistas estão a esforçar-se por encontrar formas de cultivar carité, mas o financiamento é limitado.
4. Reconhecer e contabilizar o “trabalho invisível” das mulheres e concentrar esforços nas mais vulneráveis. Se compararmos o nível de esforço que as mulheres empregam na cadeia de valor do carité com aquilo que obtêm da mesma, torna-se claro que existe uma disparidade.
5. Ajudar as mulheres a unirem-se. A Aliança Global do Carité capacita as mulheres no sentido de permitir-lhes ganhar a sua quota justa ajudando-as a organizarem-se em cooperativas e concedendo-lhes acesso a infraestruturas de armazenamento que as tornam aptas a vender a compradores de maior dimensão. Os rendimentos aumentaram entre 30% e 50% em comparação com as vendas realizadas somente no mercado local. O Quadro Integrado Reforçado está a dar formação a pequenas empresas que transformam carité sobre como aumentar a produção, além de ajudá-las a aceder a novos mercados e a ganhar competências promocionais.
O carité não só nutre, cura e protege, como exerce um impacto ambiental e social positivo e contribui para preservar uma das paisagens mais importantes da África Ocidental. A sua utilização pode ajudar os países da África Ocidental a progredirem no seu desenvolvimento, desde que, como é evidente, as mulheres estejam no centro.
Estas árvores indígenas – estas árvores que se recusam a ser cultivadas – talvez estejam a desafiar os nossos sistemas atuais e a apelar para algo completamente diferente.
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