18 Março 2020

Sobre tarifas alfandegárias, sabão e o combate ao COVID-19

Políticas comerciais adequadas poderiam ajudar o mundo a combater a atual pandemia

Os governos de todo o mundo encontram-se numa curva de aprendizagem pronunciada à medida que reagem à pandemia do COVID-19.

É evidente que é necessária uma resposta que envolva todo o governo. São necessárias medidas políticas que complementem e reforcem a eficácia das iniciativas de saúde pública.

Em momentos como este, as políticas governamentais não devem entrar em contradição entre si.

As políticas comerciais são relevantes para a resposta à pandemia por dois motivos. Em primeiro lugar, 50 governos (até à data)* impuseram diminuições ou mesmo proibições das exportações dos necessários materiais médicos, incluindo máscaras de proteção, ventiladores e desinfetante para as mãos. Em segundo lugar, os Estados decidem as condições segundo as quais os materiais médicos penetram no comércio nacional através de, entre outros meios, taxas de importação (tarifas), quotas e regulamentações de aprovisionamento público que privilegiam a compra de produtos nacionais.

As taxas que os governos impõem ao sabão importado oferecem uma janela de oportunidade útil para o contributo que a política comercial pode dar para combater – ou, infelizmente, facilitar – a propagação do COVID-19. Para ver porquê, primeiro os conselhos dos especialistas da Organização Mundial da Saúde. Recomenda-se a toda a gente que lave muito bem as mãos com sabão ou que use o desinfetante para as mãos várias vezes ao dia. Para seguir este conselho, é necessário que o sabão seja barato e esteja disponível e é aqui que entra a política comercial nacional.

Os governos dos membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) devem fornecer informações atualizadas sobre as suas tarifas de importação sobre todos os produtos, incluindo o sabão. De acordo com a Funcionalidade de Transferência de Tarifas da OMC, nem todos os governos o fazem, o que cria incerteza para os importadores e exportadores e dificulta o comércio internacional de sabão. Vinte e dois membros da OMC comunicaram pela última vez as suas tarifas de importação sobre o sabão em 2016 e outros 20 atualizaram os seus registos em 2014 ou antes. Este défice de notificação constitui um fator agravante durante a atual situação.

Há também que levar em conta o nível das taxas que muitos governos aplicam ao sabão. De facto, dos 164 membros da OMC, apenas nove se abstêm de aplicar taxas ao sabão. Tal como ilustra o mapa, 79 membros da OMC cobram taxas pelo sabão importado a níveis de 15% ou mais. Trinta e um governos aplicam taxas sobre o sabão estrangeiro de pelo menos 30%. São os consumidores, os hospitais e o pessoal médico que pagam estas taxas, de uma forma ou de outra. Para as pessoas com baixos rendimentos, em especial, os preços mais elevados do sabão desincentivam a lavagem frequente das mãos. Uma taxa sobre o sabão equivale a uma taxa sobre a higiene. Em 2020, este fator acelera a propagação do COVID-19.

 

Taxes on imported soap are charged by 141 nations

Fonte: Global Trade Alert 2020

 

Deixando de parte as normas sanitárias e fitossanitárias, um relatório recente identificou nove membros da OMC cujas políticas não tarifárias impedem atualmente a importação de sabão. A Indonésia tem as maiores barreiras não tarifárias ao sabão estrangeiro; duas respeitam a requisitos de licenças de importação e outra constitui uma taxa interna destinada aos produtos importados. Além do Vietname, três quartos ou mais das importações de sabão dos outros oito países enfrentaram barreiras não tarifárias. As tarifas, ou taxas aplicadas ao sabão importado, não constituem o único problema.

Qual é o significado destas conclusões? Uma questão fundamental que é alvo da devida atenção nos debates sobre políticas comerciais e de desenvolvimento é a necessidade de coerência entre as intervenções políticas públicas. Se à primeira vista pode não parecer relevante, ao longo desta pandemia o que acontece nas alfândegas é muito importante.

Os governos devem suspender as taxas sobre todos os materiais médicos, incluindo equipamentos médicos como máscaras, ventiladores e fatos de proteção, bem como medicamentos, desinfetantes e sabão. Ao fazê-lo irão, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas que surgem nos consultórios médicos ou nos hospitais com o COVID-19, diminuindo alguma da pressão colocada aos sistemas nacionais de saúde já de si sobrecarregados. As políticas comerciais podem desempenhar um papel positivo no combate à atual pandemia, mas infelizmente em muitos países ainda não estão a fazê-lo.

 

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* O número de governos que impôs diminuições ou mesmo proibições das exportações dos necessários materiais médicos, incluindo máscaras de proteção, ventiladores e desinfetante para as mãos, está a mudar de dia para dia.

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Simon J. Evenett é Professor de Comércio Internacional e de Desenvolvimento Económico na Universidade de St. Gallen, Suíça, e coordena o Global Trade Alert (Alerta Comercial Global), o serviço independente de monitorização da política comercial.

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