10 Novembro 2020

O turismo e o comércio numa encruzilhada em Cabo Verde

Cabo Verde é frequentemente descrito como um destino “fora do caminho batido”, seja o que for que exta expressão signifique. Na realidade, este pequeno país composto por 10 ilhas tem passado por muitos caminhos desde o século XV, quando os navegadores portugueses chegaram pela primeira vez ao arquipélago não habitado.

Nas últimas décadas, este país situado a 600 quilómetros da costa ocidental de África desenvolveu um novo caminho através do turismo, estimulando o crescimento económico num local com poucos recursos e reduzida riqueza. O resultado foi a transição do estatuto de “país menos avançado” (PMA) para o de “país em desenvolvimento” em 2007, uma redução na pobreza e, em 2019, uma taxa de crescimento anual de 5,7%.

“Em Cabo Verde, 25% do PIB é composto pelo turismo e dependemos dele”, afirma Francisco Martins, Diretor-Geral de Turismo e Transportes do Ministério de Turismo e Transportes de Cabo Verde.

“A nossa situação era boa e terminámos 2019 com excelentes indicadores macroeconómicos. Esperamos que o turismo impulsione a economia de Cabo Verde, ao mesmo tempo que nos esforçamos para estender o turismo das duas ilhas principais para as outras”, acrescenta. “Mas com o surto de COVID-19 nada acontece desde março, não se registou atividade nenhuma.”

O país começou lentamente a reabrir o turismo há algumas semanas e está a avançar com planos para diversificar tanto o setor do turismo como o do comércio em geral.

A transição para país em desenvolvimento

“Cabo Verde é um país verdadeiramente interessante. Quando quisemos ser um país independente pela primeira vez, a ONU classificou-nos como país inviável: não tínhamos quaisquer recursos naturais e não havia nada de que pudéssemos tirar partido para o desenvolvimento. Contudo, desde então, Cabo Verde tem dado provas do seu dinamismo, através da nossa cooperação bilateral e multilateral com muitas instituições e países”, afirma Gilson Lima, Consultor do Ministério da Indústria, Comércio e Energia e antigo Coordenador da Unidade Nacional de Implementação do Quadro Integrado Reforçado (QIR).

“Desde que abandonámos o estatuto de PMA, temos tentado melhorar, tirando partido das nossas vantagens comparativas, incluindo o turismo. Mas estamos a tentar diversificar-nos do turismo também”, acrescenta.

A classificação de PMA pela ONU confere aos países determinados privilégios e apoio dos doadores, incluindo através do QIR, que apoia os 47 PMA e quatro países que abandonaram recentemente este estatuto. Na medida em que abandonou o estatuto há mais de uma década, o apoio do QIR a Cabo Verde foi gradualmente suprimido, tal como aconteceu com outros recursos dos parceiros de desenvolvimento.

“O QIR apoiava-nos em assuntos relacionados com o comércio, centrando-se em programas de formação e no reforço de capacidades das instituições governamentais, bem como das Micro, Pequenas e Médias Empresas. Víamos pequenas empresas a trabalhar numa direção e, desde que realizaram aquelas ações de formação, seguiram por outros caminhos, o que foi uma clara evolução”, declara Gilson Lima.

A ajuda certa

A parceria com o QIR gerou também dois estudos sobre a situação do comércio em Cabo Verde com recomendações para a ação a tomar, incluindo para o setor do turismo, e destacando o potencial existente num conjunto de mercados de nicho, como o peixe e marisco e as TIC. Como é evidente, a pandemia abalou fortemente o setor.

“Apesar do abandono do estatuto, a crise atual demonstra que a diversificação do comércio permanece uma prioridade. A dependência do setor do turismo desempenha um papel significativo, mas são necessárias fontes de receita nacional adicionais durante este período problemático”, declara Jonathan Werner, Coordenador do QIR para Cabo Verde.

“Este futuro incerto significa também que existe uma maior necessidade de pensar em formas adicionais e criativas de colaborar. A cooperação internacional e as parcerias serão vitais para ultrapassar os atuais desafios”, acrescenta.

No entanto, além da COVID-19, o país tem outros grandes desafios que continua a abordar.

“O que nos afeta fortemente é a ausência de água e a dimensão do nosso mercado, o que não é bom para o comércio ou para a indústria porque não temos a escala necessária.  Estamos a tentar ganhar maior escala através da nossa integração regional na CEDEAO e tirando partido das oportunidades na ZLCCA”, refere Gilson Lima.

“O setor do turismo é liderado por cadeias de hotéis internacionais, que necessitam de ser abastecidos. Queremos certificarmo-nos de que os produtos nacionais têm uma oportunidade de penetrar nesse mercado.. Mas, para isso, temos de passar da agricultura de subsistência para a agricultura orientada para o mercado e como a chuva é muito escassa as nossas pequenas explorações não conseguem abastecer à escala de que os hotéis necessitam. Assim, muito investimento poderia ser feito nos domínios da capacidade, das tecnologias agrícolas e numa maior dessalinização da água aplicada à agricultura. Existem outros produtos não agrícolas que também necessitam de investimento a fim de penetrarem não somente no mercado nacional do turismo, mas também no internacional. O desafio será sempre o mesmo: tentar encontrar recursos para investir”, acrescenta.

Um comércio saudável

Como resposta à pandemia, o governo de Cabo Verde trabalhou com as suas empresas de hotelaria e relacionadas com outras áreas do turismo para garantir o pagamento dos salários dos trabalhadores. Os funcionários que foram colocados em “lay-off”, com início em abril e término em dezembro, estão a receber 70% do seu salário, metade pago pelo governo e a outra metade pelas empresas.

“Tivemos uma queda superior a 60% no número de turistas este ano. Agora estamos a preparar-nos para o regresso do turismo, pelo que contamos com um programa de saúde relativo às condições sanitárias e estamos a preparar todos os operadores, todas as empresas relacionadas com o turismo desde o aeroporto e os transferes aos restaurantes e às agências de viagens; toda a gente está a preparar-se e a adotar protocolos de segurança”, explica Francisco Martins.

“Estamos também a trabalhar no novo plano operacional do turismo para os próximos cinco anos, 2021 a 2026.  Assim, estamos a avançar passo a passo, O cenário das viagens para o próximo ano não parece muito atrativo, mas temos de enfrentar o desafio e envidar o máximo de esforços, manter a resiliência e dar o nosso melhor”, acrescenta.

Tendo já iniciado o caminho da reabertura do turismo, o país está atento à situação da COVID-19 tanto fora como no interior do país e tem como objetivo abrir a Ilha do Sal ao mercado europeu em dezembro.

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