6 Agosto 2018

Colocar o comércio online

by Michelle Kovacevic / in Novidades

O que é que um país montanhoso sem litoral, uma nação africana no pós-guerra e três pequenos Estados insulares em desenvolvimento têm em comum?

Todos se perguntam qual a melhor forma de tirar proveito do boom do comércio eletrónico que está a alterar substancialmente a forma como o mundo faz negócios.

O Nepal, a LibériaSamoaVanuatu e as Ilhas Salomão viram recentemente a sua preparação e disposição para abraçar o comércio eletrónico analisadas pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED), com o apoio do Quadro Integrado Reforçado (QIR), enquanto parte da iniciativa Comércio eletrónico para todos.

“Os países abordam-nos dizendo: “Nós vemos o comércio eletrónico como um potencial para a diversificação das exportações, mas não sabemos por onde começar: que produto, que mercado podemos selecionar?””, refere Sven Callebaut, consultor de comércio responsável pela oferta do serviço Avaliações Rápidas de Preparação para o Comércio Eletrónico da CNUCED. Até ao momento, dez países foram analisados, na sua maioria classificados como Países Menos Avançados (PMA).

Comércio eletrónico significa qualquer transação comercial que seja efetuada online, desde uma compra de livros na Amazon a uma remessa de fundos para a família noutro país. Possui o potencial para desafiar o modelo de crescimento liderado pelas exportações na medida em que permite que tanto pessoas como empresas consigam a melhor oferta a nível global, baixando assim os preços e aumentando a qualidade das exportações. Mas, de acordo com Sven Callebaut, estamos ainda muito longe da concretização desse futuro.

“Noventa por cento dos países que analisámos atuam no comércio eletrónico somente a nível nacional porque não dispõem de um mecanismo para realizar exportações transfronteiriças de comércio eletrónico. Nas economias desenvolvidas, é ao contrário: a maioria do comércio eletrónico tem lugar entre fronteiras”, afirma Sven Callebaut.

As avaliações são únicas por serem fomentadas pelos governos nacionais (geralmente o Ministério do Comércio) e por serem rápidas (demoram apenas três a quatro meses). Além disso, fazem recomendações específicas em sete áreas políticas fundamentais ou, como explica Sven Callebaut, “tudo o que precisa de ter pronto no seu ecossistema para que o comércio eletrónico seja uma realidade”, nomeadamente:

  • preparação para o comércio eletrónico e formulação da estratégia
  • infraestrutura e serviços de TIC
  • logística comercial e facilitação do comércio
  • soluções de pagamento e de dinheiro móvel
  • quadros jurídico e regulamentar
  • desenvolvimento de competências de comércio eletrónico
  • acesso a financiamento

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“POR QUE MOTIVO PRECISA DE NÓS?”

Um dos primeiros passos da avaliação consiste em compreender o motivo do pedido, refere Sven Callebaut. “Perguntamos aos países: “Por que motivo precisa de nós, por que motivo precisa de uma avaliação de preparação para o comércio eletrónico e por que motivo precisa do comércio eletrónico?”

A resposta, afirma, recai numa de quatro grandes áreas.

“Em alguns países, existe uma visão nacional orientada para a economia digital e eles querem que o comércio eletrónico faça parte dessa visão. Outros não sabem como definir posições de negociação no comércio eletrónico e como formar responsáveis dos setores público e privado sobre a forma de tirar partido do comércio eletrónico”.

“O terceiro aspeto consiste num impulso para diversificar o comércio externo. Finalmente, e este é um fenómeno que se verifica maioritariamente no Pacífico, a infraestrutura de TIC está a desenvolver-se rapidamente e os países querem tirar o máximo partido destes desenvolvimentos”. 

Depois de terminada a fase de recolha de factos, é enviado um inquérito online para as principais partes interessadas do país, cujas conclusões informam uma série de grupos de reflexão e reuniões bilaterais, geralmente organizadas por um consultor internacional, que colabora com um consultor nacional e o orienta. Ao longo destas conversações, são revelados muitos estudos de caso que ilustram tanto a forma como o comércio eletrónico já está a evoluir no país como os principais obstáculos ao seu progresso.

Por fim, surge a tarefa final de elaborar e validar o relatório.

“Na medida em que a avaliação é realizada de forma independente, nem a CNUCED nem o governo que a solicita necessitam de aprovar as recomendações como fazem com os Estudos de Diagnóstico sobre a Integração do Comércio (EDIC) [principal produto do QIR]”, afirma Sven Callebaut. 

“No entanto, como é importante que a avaliação seja clara e esteja correta, partilhamo-la com o governo para validação antes de ser finalizada”, explica Sven Callebaut.

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CRIAR CONFIANÇA PASSO A PASSO

Apesar das diferenças existentes entre a Libéria, o Nepal, Samoa, Vanuatu e as Ilhas Salomão, os obstáculos ao comércio eletrónico são mais semelhantes do que diferentes, salienta Sven Callebaut. 

As limitações que enfrentam são as seguintes: ausência de uma compreensão nacional partilhada e de visão do comércio eletrónico; baixo nível de fiabilidade, preços acessíveis, velocidade e cobertura fora das cidades capitais da Internet; falta de confiança dos consumidores e comerciantes nos sistemas que não utilizam dinheiro físico; o facto de os bancos encararem o comércio eletrónico como um investimento arriscado; e um ambiente regulador que se mantém muito atrás do ritmo de desenvolvimento das TIC.

Mas o maior desafio de todos, de acordo com Sven Callebaut, é a confiança.

“Ou seja, como passar de uma sociedade baseada no dinheiro físico, em que as pessoas não possuem contas bancárias nem confiam nos bancos, para uma sociedade sem dinheiro físico, onde as pessoas são incentivadas a utilizar os seus telemóveis para pagar online”, explica Sven Callebaut.

“Além disso, os comerciantes estão tão habituados a lidar com dinheiro físico que nem ponderam as questões de segurança e o custo associado às transações com dinheiro físico. Existe uma resistência real à mudança que necessita de ser ultrapassada”. 

Este aspeto é agravado pelas barreiras linguísticas. Apesar da ubiquidade dos smartphones e devido ao facto de os sistemas operativos estarem frequentemente em inglês, “as pessoas não sabem como utilizá-los, a menos que seja para aceder ao Facebook ou fazer chamadas telefónicas”.

Desenvolver a confiança em diferentes países está estreitamente relacionado com o facto de o comércio eletrónico ser liderado pelo setor público ou privado, refere Sven Callebaut.

“Quando é o setor público a liderar, todos esperam que o governo crie um ambiente favorável que irá protegê-los. Nos países em que é o setor privado a liderar, o investidor tem de criar produtos personalizados para diferentes segmentos da população.

Veja-se o exemplo do empresário samoano Etuale Scanlan, que criou o Samoa Market em 2016. O Samoa Market permite que elementos da diáspora samoana adquiram produtos de Samoa online e que as suas famílias em Samoa os recebam. 

“Etuale reconheceu que as pessoas com capacidade para pagar produtos online viviam fora de Samoa, pelo que elegeu a diáspora samoana como a sua clientela”, explica Sven Callebaut.

“Ele queria que a sua empresa funcionasse totalmente a partir de Samoa, mas não conseguiu: teve de registar a empresa na Nova Zelândia para poder processar os pagamentos. Etuale espera que a avaliação de preparação para o comércio eletrónico dê a conhecer as dificuldades que enfrenta enquanto empreendedor local e que contribua para o desenvolvimento de soluções”, explica Sven Callebaut.

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NEGÓCIO ARRISCADO

Um dos outros grandes obstáculos é a perceção de que o comércio eletrónico é um investimento arriscado.

“As empresas de comércio eletrónico enfrentam dificuldades para aceder a capital de risco, empréstimos bancários, business angels, incubadoras de empresas e outras opções de investimento porque o comércio eletrónico é encarado como demasiado arriscado. Desta forma, acabam por depender de parceiros de desenvolvimento para as soluções de financiamento”, afirma Sven Callebaut.

“No entanto, o que acontece é que existe um apoio muito reduzido dos parceiros de desenvolvimento ao comércio eletrónico devido à sua natureza transversal. Um doador diria: “Prestaremos ajuda na área da logística ou dos pagamentos, mas raramente de uma forma que integre o total das sete áreas políticas fundamentais”. É fragmentado e desestruturado, o que é surpreendente porque tem um enorme potencial”, declara. 

É evidente que são necessárias reformas económicas mais vastas para que o comércio eletrónico floresça, afirma Rahul Bhatnagar, responsável do programa na CNUCED e autor da avaliação da Libéria.

“Os jovens da Libéria estão especialmente empenhados em envolverem-se em iniciativas de comércio eletrónico, quer como empreendedores, fornecedores ou empregados. E eles estão a cimentar o caminho... as regulamentações sobre transações online, o consumidor e a proteção de dados deparam-se com dificuldades em acompanhar o ritmo”.

No ambiente pós-conflito da Libéria, em que os jovens constituem mais de 50% da população e o desemprego jovem pode conduzir à abertura de fendas no delicado tecido da sociedade, o comércio eletrónico pode também funcionar como um caminho para a construção da paz”, declara Rahul Bhatnagar.

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MODELO DE FINANCIAMENTO

No início deste ano, Sven Callebaut regressou a Samoa para observar a evolução da implementação das recomendações da avaliação do comércio eletrónico. Muita coisa mudou desde que a avaliação foi feita: um cabo submarino foi instalado e em breve proporcionará aos samoanos acesso a Internet barata e rápida.

Apercebeu-se de que algumas pessoas foram surpreendidas pelas conclusões do relatório.

“Conforme foi destacado, muitas coisas estão a acontecer no comércio eletrónico nos PMA que muito poucas pessoas parecem conhecer, mesmo no país”, refere Sven Callebaut.

Conforme recomendado na sua avaliação, Samoa também levou a cabo uma análise jurídica e uma avaliação de lacunas.

“Com base nestas avaliações, abordou alguns doadores no sentido de ajudarem o país a elaborar regulamentações para o comércio eletrónico”.

Graças ao apoio institucional do QIR, o governo do Nepal já contabilizou os custos de desenvolvimento de uma estratégia de comércio eletrónico.

“Esperamos que este esforço venha a fomentar o investimento na infraestrutura de comércio eletrónico e ajudar as pequenas e médias empresas a beneficiarem deste novo modelo de negócio”, afirma Hang Tran, coordenador da carteira de PMA asiáticos do QIR.

Na Libéria ainda é cedo para tirar conclusões, já que a avaliação foi lançada somente em abril de 2018.

Sven Callebaut está atualmente a preparar um modelo para ajudar os países a gerar interesse e financiamento para implementar algumas das ações.

“Espero ver a implementação incluída como um passo final nas avaliações futuras”, afirma.

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