A crise da COVID-19 causou alterações súbitas e significativas na forma como as pessoas trabalham, produzem, consomem, comercializam e vivem. Verificou-se uma inclinação generalizada para o teletrabalho (especialmente nas atividades ligadas ao trabalho de escritório) e uma dependência crescente do comércio eletrónico para a encomenda de produtos alimentares e outros de uso quotidiano, o que afetou consideravelmente o retalho tradicional.
Contudo, à exceção do impacto temporário da pandemia nas viagens e noutras atividades de lazer, atividades como a utilização do comércio eletrónico e do teletrabalho não são novidade para o mundo e para as populações da África Oriental.
As tecnologias que possibilitaram estas mudanças estavam disponíveis e já eram utilizadas antes da crise. O teletrabalho já se mostrava em crescimento nos setores criativos e noutros serviços. Empresas de comércio eletrónico como a Amazon, a eBay e a Jumia eram conglomerados gigantescos antes da pandemia. A utilização de meios eletrónicos de pagamento tem aumentado em muitas regiões, nomeadamente na África Oriental.
O que mudou foi a velocidade à qual estas mudanças têm ocorrido nos últimos tempos. Várias análises demonstraram que a COVID-19 acelerou o crescimento do comércio eletrónico em 4 a 6 anos.
Impacto na agricultura: plataformas digitais no Uganda
A tecnologia, mesmo antes da pandemia, estava a transformar o setor da agricultura na África Oriental. A biotecnologia, a robótica e o armazenamento inteligente têm sido crescentemente utilizados para produzir e comercializar produtos na região. Por exemplo, a teledeteção com base em drones é utilizada na Tanzânia para monitorizar o estado de culturas como a mandioca, o feijão e o milho.
Das tecnologias cada vez mais adotadas pelos agricultores da África Oriental, as plataformas digitais de agricultura (apps) estão a tornar-se meios cruciais de participação no comércio eletrónico. Das empresas que oferecem soluções tecnológicas para a agricultura na região, 75% forneciam apps. As apps oferecem aos agricultores um vasto leque de serviços, incluindo conseguir informações de mercado, encontrar compradores, adquirir materiais utilizados na produção e obter crédito, entre muitos outros.
No Uganda, mais de um milhão de agricultores utilizavam apps antes da crise e valorizavam especialmente a capacidade de aceder a compradores, adquirir os materiais necessários e obter serviços de consultoria e informações em tempo real sobre os preços e o clima. As apps contribuíram para reforçar a produtividade ao aumentar o acesso a fatores de produção e serviços fundamentais e promover a diversificação, especialmente em novos mercados. Contudo, persiste uma clivagem digital entre os géneros na utilização destas plataformas em termos de acesso à Internet e benefícios relacionados com a produtividade.
Não é, assim, de surpreender que a utilização deste tipo de tecnologias na agricultura se tenha acelerado durante a pandemia. Esta aceleração foi em parte alimentada pelas exigências governamentais relacionadas com a pandemia e a gestão da crise (por exemplo, pagamentos móveis aos agricultores). Mas, fundamentalmente, as apps constituem uma solução existente e económica que permite aos agricultores prosseguir com a sua atividade, adquirir materiais e comercializar produtos no contexto das ordens para permanecer em casa. Sem tais plataformas, teria sido impossível prosseguir com a atividade ou cumprir as diretivas de saúde governamentais.
Custo, complexidade e capacidades explicam o porquê de as apps se terem tornado a regra e não a exceção durante a pandemia. As plataformas digitais constituem uma solução de baixo custo e fraca complexidade. As capacidades exigidas para o seu funcionamento são relativamente baixas e a urgência gerada pela crise removeu quaisquer receios ou preconceitos que os agricultores pudessem ter quanto à sua utilização. Contudo, a capacidade de os agricultores utilizarem estas apps varia consideravelmente, já que muitas das plataformas de produção, intercâmbio, comercialização e partilha exigem elevadas capacidades técnicas, dado o seu âmbito mais alargado em comparação com os modelos de negócio das plataformas agrícolas.
O impacto destas tecnologias vai além do setor da agricultura, já que as plataformas digitais estão também a transformar a forma como o retalho de produtos alimentares é efetuado na África Oriental. Os mercados de rua normalmente agitados de Campala foram seriamente atingidos devido às ordens para permanecer em casa. A adoção e a utilização crescente das plataformas de comércio eletrónico (como E-voucher, MUIIS, KOPGT e EzyAgric) facilitaram o acesso das pessoas a produtos alimentares básicos e a fornecedores (com uma maioria de mulheres) e a atividade prosseguiu durante a crise.
Perspetivas
No futuro, as plataformas digitais e outras tecnologias constituirão uma funcionalidade caraterística das cadeias de valor da agricultura. A crise da COVID-19 acelerou a transformação digital da agricultura e as economias em todo o mundo. A súbita aceleração destas mudanças pode estar a gerar uma grave disrupção, mas a direção destas mudanças já era conhecida muito antes. Apesar deste fenómeno, as plataformas digitais são fundamentais para aumentar a produtividade e a participação das mulheres.
Além disso, a crise tornou urgente a adoção de determinadas políticas e ações para facilitar e gerir o processo de transformação digital. No caso do Uganda, por exemplo, o apoio fornecido pelo governo para o desenvolvimento e operação de plataformas digitais e aos agricultores para as utilizarem tem sido mínimo. Embora a crise possa ter representado uma salvação para muitas destas iniciativas, persistem lacunas políticas.
Além disso, 98% do total de plataformas digitais na África Oriental existem somente no interior das fronteiras nacionais. Tal acentua a necessidade de compreender as várias lacunas políticas regionais que impedem a proliferação de apps a nível regional. A criação de regulamentações mais abrangentes para o comércio eletrónico agrícola, com ações complementares no desenvolvimento de competências em matéria de TIC, poderia impulsionar o necessário comércio eletrónico regional.
As restrições tradicionais como as barreiras ao comércio têm impedido o desenvolvimento do comércio eletrónico e limitado os benefícios derivados das plataformas digitais, também durante a crise da COVID-19. Períodos mais longos de processamento alfandegário causam atrasos ou a impossibilidade de encomendar produtos a outros parceiros regionais. Mas existem também novos desafios, como a baixa confiança nos meios digitais e a ausência de medidas de proteção do consumidor.
Por fim, mas não menos importante, as plataformas digitais antes da crise contribuíram para a capacitação económica das mulheres na África Oriental e no Uganda em particular. Estas plataformas permitem que se despenda mais tempo e recursos na educação e cuidados de saúde das mulheres e estas podem denunciar os abusos mais facilmente e aumentar a sua autonomia económica. A aceleração da adoção das plataformas digitais pode contribuir para agilizar a capacitação económica das mulheres. Tendo em conta os danos provocados pela crise, este é um resultado extremamente animador, mas ainda assim insuficiente. Abordar a clivagem digital entre os géneros exige um investimento mais seletivo em apps que envolvam as mulheres no processo de tomada de decisões ou que se centrem nas mulheres desde o início.
Este artigo faz parte de uma série dedicada a estimular o diálogo, conversas e debate em paralelo com o evento de balanço da Ajuda ao Comércio da OMC que se realiza de 23 a 25 de Março. O artigo responde ao Tema 3 do evento: conectividade digital e comércio electrónico.
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