23 Junho 2020

A COVID-19 e o turismo nas áreas protegidas de África: Impactos e necessidades de recuperação

  • A COVID-19 provocou um declínio abrupto nos negócios dos operadores nas áreas protegidas, combinado com uma queda substancial nos futuros pedidos de reservas. As medidas de apoio mais importantes de que os operadores turísticos necessitam são a assistência aos trabalhadores no desemprego, o apoio financeiro para os esforços de recuperação e fluxos de caixa e deduções ou diferimentos fiscais.

  • Dados preliminares sugerem que se verificará uma queda de 43% na despesa em produtos locais, serviços e donativos no atual exercício financeiro em comparação com o anterior e, caso a crise persista, três quartos dos funcionários locais serão afetados por fatores como redução nos salários, licença sem vencimento, declarados excedentários e desemprego (quase 14.000 funcionários contabilizados nesta amostra).

  • Prevê-se que a despesa em serviços ambientais (por exemplo, em segurança, luta contra a caça furtiva, tarifas de parques ou concessões, etc.) diminua 20,7 milhões de dólares no atual exercício financeiro para a amostra. Existem preocupações de que este aspeto possa conduzir a um aumento do comércio ilegal de espécies selvagens.

O turismo é uma importante fonte de rendimentos em África, onde o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (CMVT) demonstrou que mais de um terço do total do PIB diretamente derivado do turismo em 2018 estava relacionado com a vida selvagem. É importante para muitos países africanos, como o Botsuana, o Quénia e a África do Sul, e especialmente em muitos dos Países Menos Avançados (PMA) do continente, como Madagáscar, Ruanda, Tanzânia e Uganda, onde o setor do turismo relacionado com a vida selvagem é fundamental para as economias e os meios de subsistência.

Tal como todos sabemos, a pandemia de COVID-19 exerceu um impacto global no setor das viagens. Em maio de 2020, 100% dos destinos globais tinham imposto restrições a viagens e 45% tinham fechado total ou parcialmente as suas fronteiras aos turistas. Como resultado, a CMVT prevê uma perda global de 100,8 milhões de empregos em 2020 e de 2,7 biliões de dólares em rendimentos no setor do turismo.

Com o objetivo de compreender os impactos da pandemia no turismo de áreas protegidas, foi conduzido um inquérito em nome da União Europeia a fim de analisar os impactos e as necessidades de recuperação. Foi realizada uma análise preliminar dos resultados do inquérito online com base em 618 respostas de operadores que trabalham em 278 áreas protegidas em 38 países africanos, incluindo 18 PMA (Angola, Benim, Burundi, Chade, Etiópia, Guiné-Bissau, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Moçambique, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, São Tomé e Príncipe, Sudão do Sul, Tanzânia, Uganda e Zâmbia). Os inquiridos abrangiam prestadores de serviços de alojamento (58%) operadores turísticos (52%), atividades e experiências (38%), restaurantes/bares (14.2%) e caça (11%). 

Impactos no negócio

As áreas protegidas têm estado encerradas para visitantes em todo o mundo a fim de reduzir a propagação do coronavírus entre os visitantes e também devido à ameaça de contágio às espécies selvagens. Por exemplo, o turismo de gorilas no Ruanda, Uganda e República Democrática do Congo foi suspendido, ao passo que os parques nacionais da África do Sul foram encerrados. O inquérito revelou um acentuado declínio no número de clientes dos operadores em março de 2020 em comparação com o mesmo mês do ano anterior (menos 61%), aliado a uma queda substancial dos futuros pedidos de reserva (menos 71%). A maioria dos clientes dos operadores cancelaram as suas reservas entre março e junho de 2020 (82% de cancelamentos, em média). Como resposta a este colossal desafio, quase todos os inquiridos implementaram medidas para mitigar os impactos (ver Figura 2).

Impactos nos meios de subsistência locais

Emprego: os 618 operadores africanos que comunicaram o seu número de funcionários empregavam coletivamente quase 40.000 pessoas no último exercício financeiro concluído. A maioria (60%) são pessoas locais, recrutadas num raio de 50 quilómetros. Em média, 64% dos funcionários locais estão a receber salários reduzidos (por exemplo, parte do salário, horas a menos, etc.). Mais de metade colocou parte (ou o total) dos seus funcionários locais em licença sem vencimento desde fevereiro de 2020 e quase metade declarou-os excedentários. Se a crise continuar, prevê-se que, em média, mais de três quartos dos funcionários locais serão afetados por fatores como redução nos salários, licença sem vencimento, declarados excedentários e desemprego. Em termos práticos, quase 14.000 funcionários locais, incluindo os que vivem no interior de áreas protegidas ou adjacentes às mesmas, seriam afetados de forma negativa e direta (tal como os seus dependentes), só com base nesta amostra.

Aprovisionamento: coletivamente, no último exercício financeiro concluído, 363 operadores despenderam 238,6 milhões de dólares na aquisição de produtos (por exemplo, produtos operacionais como alimentos, bebidas, artesanato, material de escritório, equipamentos, etc.). Em média, 30% dos produtos foram adquiridos localmente (ou seja, num raio de 50 quilómetros) a produtores e retalhistas. Os operadores preveem uma diminuição média de 38% na despesa local em produtos no atual exercício financeiro, o que resultaria numa queda total no valor de 39,3 milhões de dólares na despesa local. Preveem também uma diminuição de 47,6 milhões de dólares na despesa em serviços locais para o atual exercício financeiro (um decréscimo de 47%).  

Iniciativas comunitárias: os operadores contribuíram coletivamente com 30,2 milhões de dólares em donativos e pagamentos de responsabilidade social das empresas para as comunidades locais no último exercício financeiro. Preveem que as contribuições sejam de 9,7 milhões de dólares a menos no atual exercício financeiro (uma queda de 32%).

Globalmente, os dados preliminares indicam 97,2 milhões de dólares a menos de despesa em produtos, serviços e donativos que chegam às comunidades locais neste exercício financeiro em comparação com o ano passado (uma queda de 43%) somente nesta amostra.

Impactos nos serviços ambientais e de conservação da natureza

A pandemia tem exercido impactos variados no ambiente e na conservação da natureza. Um dos sinais positivos consiste no regresso das espécies selvagens aos locais onde costumavam viver, alimentar-se ou nidificar. No entanto, a redução do número de visitantes também resultou em alguns aumentos no comércio ilegal de espécies selvagens em áreas geralmente protegidas por guardas florestais e também da presença de visitantes, mas também alguns declínios em zonas onde os confinamentos impediram o transporte de pessoas e produtos ligados às espécies selvagens.

A criminalidade ambiental é uma das preocupações imediatas mais importantes para os operadores e a maioria acredita que irá agravar-se como resultado da crise da COVID-19. Outra previsão é a de que se verificará uma alteração na despesa dos operadores nos pagamentos dos serviços ambientais locais. No que se refere à despesa em serviços ambientais (por exemplo, segurança, luta contra a caça furtiva, tarifas de parques e concessões, etc.), 277 operadores despenderam um total de 47,5 milhões de dólares no último exercício financeiro concluído. Dos operadores que comunicaram a despesa local, e uma alteração na despesa, estima-se que o resultado seja uma queda de 20,7 milhões de dólares na despesa no atual exercício financeiro.

O que é necessário?

Os operadores declararam que as medidas de apoio mais importantes de que as suas empresas necessitavam durante a crise eram a assistência aos trabalhadores no desemprego, o apoio financeiro para os esforços de recuperação e fluxos de caixa e deduções ou diferimentos fiscais (ver Figura 3). Três quartos dos operadores procuram um apoio financeiro que pode chegar aos 249.000 dólares e o pedido mais frequente é inferior a 49.000 dólares. Procuram condições de empréstimo que incluam modalidades de amortização flexíveis e taxas de juro próximas de zero. A este respeito, é bastante provável que a maioria dos operadores procure obter fundos junto dos doadores (por exemplo, ajuda ao desenvolvimento local ou estrangeira) ou fundos públicos (por exemplo, subvenções ou incentivos).

As respostas dos governos e do setor do turismo à COVID-19 têm de proteger as pessoas (incluindo os visitantes e os trabalhadores da área do turismo), assegurar a sobrevivência das empresas ao longo da cadeia de valor do turismo e melhorar os mecanismos de coordenação. Têm também de reconsiderar a nossa relação com a natureza e as espécies selvagens, prevenir a emergência de mais doenças zoonóticas no futuro e proteger toda a vida na Terra. Esta crise demonstrou claramente que o setor do turismo relacionado com a vida selvagem é um forte setor económico, beneficiando tanto a conservação da natureza como as comunidades que dependem do mesmo. 

 

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Este estudo foi financiado pela União Europeia ao abrigo do Programa Bens Públicos e Desafios Globais, dedicado ao ambiente.

O estudo foi implementado pelo Consórcio Eurata. Os conteúdos desta publicação são da responsabilidade exclusiva do Consórcio EURATA e não podem em caso algum serem considerados como refletindo as opiniões da União Europeia.

Este documento foi extraído do documento de orientação pela autora, intitulado “COVID-19 e turismo de áreas protegidas: Destaque para os impactos e opções em África”. É possível aceder aos dados preliminares aqui.

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