26 Maio 2020

De que forma o abandono de estatuto de país menos avançado altera as perspetivas comerciais de uma nação?

Um novo relatório analisa os pormenores da mudança de tratamento, os mercados de exportação e muitos outros aspetos

A forma como os países estão classificados nas esferas do desenvolvimento e do comércio pode significar bastante. Baixo rendimento, industrializado, em desenvolvimento ou frágil: certas classificações resultam em ajuda suplementar, apoio internacional, acesso ao mercado e muito mais.

Para os 47 países designados como “menos avançados” pelas Nações Unidas, deixar de pertencer à categoria, ou abandonar o estatuto, acarreta uma série de potenciais implicações. Os Países Menos Avançados (PMA) beneficiam de um tratamento preferencial na sua participação no comércio global, como o acesso livre de direitos, bem como no sistema de comércio multilateral, ou seja, a Organização Mundial do Comércio (OMC). Após o abandono de estatuto, esses benefícios terão uma supressão faseada.

Com 12 Países Menos Avançados (PMA) prestes a abandonarem o estatuto nos próximos anos, torna-se necessário esclarecer aquilo que devem esperar. Um novo relatório, originado por um pedido do Grupo dos PMA à OMC, descreve os impactos sobre o cenário do comércio e cooperação para o desenvolvimento de um país.

Seguem-se as principais conclusões:

1) De uma maneira geral, os impactos serão reduzidos.

Taufiqur Rahman, um dos autores do relatório e Chefe da Unidade dos PMA na OMC, afirma que “o abandono de estatuto de PMA tem estado associado a algum medo do desconhecido; o nosso relatório revela que o impacto do abandono de estatuto para um grande número de PMA será relativamente reduzido, embora existam alguns casos em que a situação será diferente. Além disso, os impactos serão diferentes tanto no âmbito como na magnitude, dependendo de cada PMA que abandona o estatuto.”

 

Share of LDCs in world exports, 2018

 

2) Mas... depende do grau mediante o qual um país depende das preferências.

Um país recebe preferências no que se refere ao acesso ao mercado e à implementação das regras e disciplinas da OMC. No entanto, um país não pode recorrer a benefícios disponíveis como o acesso livre de direitos e de quotas se os produtos exportados tiverem o estatuto de nação mais favorecida (NMF) e forem livre de direitos em mercados que concedem preferências, ou se as exportações forem canalizadas para mercados regidos por acordos regionais.

Por exemplo, 56% do total de exportações do Nepal têm por destino a Índia e a maioria deste comércio ocorre ao abrigo de um acordo de comércio livre bilateral, o que impede a utilização do sistema de PMA da Índia. Quase 60% das exportações de Angola para a China constituem óleos de petróleo que não dependem de quaisquer preferências para PMA concedidas pela China, já que este país não cobra quaisquer direitos ao abrigo do estatuto de NMF. 

“Sim, os PMA são um grupo, classificado em termos de rendimento per capita e alguns outros índices. Mas não têm os mesmos interesses ou estruturas de exportação; são todos diferentes. A extensão do impacto depende da composição das exportações, da direção das exportações e da dependência das preferências”, explica Taufiqur Rahman.

O Bangladeche é um dos poucos PMA em fase de abandono de estatuto que utiliza fortemente as preferências. A sua quota de exportações em que utiliza preferências específicas dos PMA é de 70%, em comparação com 26% para Mianmar. O relatório calcula que o Bangladeche poderia assistir a um declínio das exportações de 14% após o abandono de estatuto. No entanto, de todos os PMA em fase de abandono de estatuto, o Bangladeche também possui a maior economia e é o maior exportador.

 

Tariff commitments and applied MFN duty rates by development status (%)

3) E… de com quem realizam transações comerciais.

Os países prestes a abandonar o estatuto de PMA podem vir a sentir impactos que dependem dos seus principais parceiros comerciais.

“A UE é um grande mercado para os PMA e muito importante no que se refere à utilização das preferências. Por isso, quando os países abandonarem o estatuto de PMA, esse aspeto exercerá o seu impacto”, declara Taufiqur Rahman.

Graças à iniciativa Tudo Menos Armas da UE e aos regimes concedidos pelo Canadá e pelo Japão, as exportações dos PMA entram nesses países livres de direitos. A perda destas preferências representaria uma perda de margens de aproximadamente 10% no vestuário e de 6%-10% em determinados produtos da pesca. Além disso, verifica-se também uma perda de condições favoráveis de regras de origem que iria afetar especialmente os exportadores de vestuário.

“Não existem substitutos perfeitos para as preferências dos PMA depois de abandonarem o estatuto. Muito dependerá dos acordos que os PMA que abandonam o estatuto conseguirem celebrar com os seus parceiros de comércio a fim de garantir uma transição harmoniosa”, afirma Taufiqur Rahman.

 

Expected tariff rate changes in destination markets (percentage points)

4) E… daquilo que transacionam.

Alguns PMA exportam produtos básicos, outros minerais e outros ainda vestuário. Este perfil de exportação determina, em grande medida, as suas relações com os parceiros comerciais. Este aspeto influencia também os interesses dos países que são membros da OMC. O abandono de estatuto de PMA representa alguma incerteza no que se refere à utilização continuada de subsídios à exportação para produtos industriais ou mais obrigações de notificação, incluindo exigências anuais relacionadas com o apoio nacional ao setor.

5) E… da sua participação na OMC.

O relatório revela que há muito que depende da data em que o país aderiu à OMC.

“Alguns PMA, como Angola, Bangladeche, Mianmar e as Ilhas Salomão, aderiram em 1995, quando as condições de adesão eram mais flexíveis. O processo de adesão tornou-se mais rigoroso, como, por exemplo, quando o Nepal, Vanuatu e a RDP do Laos entraram, pelo que esses países tiveram de assumir mais compromissos”, explica Taufiqur Rahman.

A legislação de propriedade intelectual é uma área em que os PMA que abandonam o estatuto necessitariam de prestar mais atenção, embora muitos deles estejam avançados na promulgação de leis e regulamentações abrangidas pelo Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Acordo TRIPS).

6) Finalmente, a COVID-19 irá alterar a situação.

O coronavírus está a dominar o comércio global. Tal já ficou bastante claro. No entanto, as suas repercussões reais para os países que estão prestes a abandonar o estatuto de PMA permanecem incertas.

Conforme declara Taufiqur Rahman, “a nossa análise é independente dos desenvolvimentos da COVID e continua a ser válida depois de um país abandonar o estatuto de PMA. Decididamente, o que está a acontecer no mundo exercerá impacto no calendário do processo de abandono de estatuto ou nas perspetivas da situação pós-abandono de estatuto. Vanuatu, cujo abandono de estatuto deverá ocorrer este ano, foi atingido por um ciclone e Angola por uma queda nos preços do petróleo, ao passo que no Bangladeche as exportações de vestuário estão a ser afetadas. Tanto o petróleo como o vestuário e o turismo foram setores atingidos duramente. Por outro lado, além do choque a nível da procura, existem também perturbações do lado da oferta porque os produtos intermédios estão a ser adquiridos a países como a China e, devido às restrições das viagens, nem tudo está a correr como deveria.”

“Até certo ponto, as receitas dos produtos básicos podem recuperar. Contudo, no caso das receitas do turismo, quando não são ganhas é porque já se perderam.”

Enquanto os dados comerciais e económicos continuam a ser comunicados desde que a pandemia surgiu, a forma como o abandono de estatuto de PMA irá decorrer permanece uma incógnita. No entanto, esta análise recente oferece uma orientação clara para os países que visam uma reavaliação das suas economias, estatuto comercial e vulnerabilidades, estabelecendo as bases para uma transição o mais harmoniosa possível.

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